Ao caminhar numa rua movimentada, reparo num grupo de pessoas, umas jovens outras nem tanto, todas falavam e riam, excepto uma. Um Homem sem idade, talvez sem identidade, olhou-me fixamente os olhos, de seguida fixou o chão, e de lá mais não levantou os olhos, até eu chegar ao final da rua. Era um homem alto e magro, cabelo comprido, em tons de cinza, com umas grandes madeixas brancas, uma pequena franja no ar, o curioso era o seu rosto, do seu lado direito, tudo era branco, sobrancelhas, pestanas, até metade do bigode, do lado esquerdo negro, como se duma colagem se tratasse.
Tinhas olhos cor de mel, todo o ambiente que formava o seu rosto, era misterioso, feio... bonito... assustador... não sei! Os olhos que me viram, diziam algo, tinha sofrimento no caminho.
Quando cheguei ao fundo da rua, a magia acabou, não o vi mais, mas fiquei com o seu olhar em mente, parecia querer dizer algo, mas estava aprisionado, o chão era o seu limite, a sua barreira, o seu destino. Pensei nisto durante alguns dias, mas acabei por esquecer.
Hoje quase um ano depois, sentada no banco do autocarro, olho à minha frente e lá está ele, com o mesmo olhar doce e amargo, penso tocar-lhe para ver se existe... mas não tenho coragem! Já não tem o bigode, e noto uma cicatriz no seu rosto, talvez a razão de ter dois tons no rosto, não sei! Olha-me novamente... sinto-me estremecer, algo me queria dizer! Eu Sinto! Mas nada... olha novamente o chão, e assim fica, os balanços da viagem não o atigem, parece fixar um grão de areia...
Vejo pessoas entrar... outras saír... será que só eu vejo este Homem?
A sua viagem está a terminar... encontravamos nos fundo do autocarro, eu sentada de frente e ele sentado de frente para mim. derrepende levanta-se... olha-me novamente, não consigo descrever o seu olhar, era feliz para mim... acho eu! Mas consegui sentir a sua força... fez-me um sorriso... virou costas e partiu... dirigiu-se para a saída, o autocarro parou... saíram umas cinco pessoas, ao arrancar logo de seguida, esperei vê-lo mais uma vez! Mas Nada! Desapareceu! As restantes pessoas ali estavam... mas aquele Homem não!
Olhei para todo lado, como se estivesse a ficar louca... não existem fantásmas!?
Aqui estou eu agora em casa... a pensar em tudo isto... não encontro explicação, mas também não sinto medo! Foi algo diferente que aconteceu... nem tudo tem Explicação.
Maio de 1994